Várzea | O que pensei até agora e o que ainda falta pensar | 25. 07. 13 > 24. 08. 13

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Fabricio Lopez | 25. 07. 13 > 24. 08. 13


Mercedes Viegas Arte Contemporânea abre a partir do dia 24 de julho de 2013, para convidados, e do dia 27 para o público, a exposição “Fabricio Lopez – Várzea” com trabalhos inéditos do artista paulista que oferece novas dimensões à prática de gravura em madeira. A mostra, que segue até o dia 24 de agosto, apresenta três xilogravuras de grandes proporções, gravuras menores, matrizes pintadas e ainda duas pinturas.

Nascido em Santos, no Estado de São Paulo, o artista busca na peculiar paisagem de sua cidade natal – que funde uma urbanidade antiga com a natureza bravia do litoral paulista – os estímulos visuais para imprimir as imagens de suas obras. Nas andanças pelo centro histórico, com suas velhas fábricas de café e zona portuária, ou no passeio de caiaque pelos canais da região, de onde observa serra e mar, o artista faz suas anotações, esboços e assimila as informações que depois serão os temas de sua poética visual.

Essas imagens geradas pelo impulso de capturar uma cena ou um cenário do lugar em que trabalha e vive são retrabalhadas e transformam-se em matrizes agigantadas em madeira. Mas a criação do artista só começa aí. Em seguida ele recombina essas matrizes, compondo imagens em camadas, o que o artista chama de “imagens não programadas”, em que o objetivo é deixar que o acaso também determine qual será o efeito final.

Nesta combinação quase aleatória, pode-se encontrar a obra “Oco”, em que vemos a paisagem exterior, as folhagens da mata atlântica, sobreposta a uma construção antiga em ruínas, provavelmente um casarão da época áurea da indústria da região. Outro exemplo é  “Várzea”, em que a paisagem de fundo se mistura com as sóbrias linhas que delineiam um barco, as asas de uma imensa borboleta e há um transeunte de chapéu e guarda-chuva caminhando em primeiro plano sobre o emaranhado de cores. Em uma xilogravura seguinte a enorme borboleta já ganha um outro significado, sobreposta ao que parece ser uma caixa toráxica humana estilizada. Fabricio usa tinta gráfica que oferece cores sem transparência, saturadas e vivas: vermelho, azul, verde, marrom, preto, laranja etc. Essas três obras estarão na exposição na Mercedes Viegas e suas matrizes são talhadas em pranchas de cerca de 1,70m x 1,30m.

A impressão de xilogravura nesse tipo de formato – algumas obras de Fabricio Lopez chegam a medir 5m x 3m – exige um processo delicado e vigoroso do artista que trabalha sozinho, diariamente, em seu ateliê no centro histórico de Santos. Embora a técnica de gravura seja uma atividade milenar e tradicional, incluindo a prática de gravuras gigantes que no passado eram chamadas de “afrescos dos pobres”, Fabricio Lopez teve que desenvolver sua própria estratégia, para “vencer o papel” como ele diz. “Para realizar a impressão, eu tenho que estar dentro do papel, deito, ajoelho, piso, o papel sofre e no final ficam as marcas do processo também”. Por conta disso, o artista também desenvolveu uma técnica de colagem das gravuras baseadas na experiência de colar cartazes na rua, os conhecidos cartazes lambe-lambe. Fabricio prende as gravuras em paredes ou em superfícies lisas, o que permite a melhor exposição de duas obras, ou como comenta “a total apresentação da imagem conquistada”. A camada de cola por cima das xilogravuras cria o que o artista conta ser uma “segunda pele que faz brilhar a imagem”, uma película que faz desaparecer as interferências e devolve o desenho da xilogravura integralmente para o observador. Ele utiliza uma cola reversível que possibilita a retirada da imagem e sua “recolagem” em outro lugar ou suporte. Distinto de outros gravuristas, Fabricio não faz tiragem das gravuras, sendo cada peça única, como se fosse sempre a prova do artista.

Fabricio conta que o interesse por gravura foi um “transbordamento da pintura” adicionado a sua vontade de trabalhar com madeira. Logo, nada mais natural do que a produção de matrizes pintadas, ou seja, pinturas feitas em relevos talhados. Para o artista as pranchas de madeira que, recombinadas, geram as mais diversas gravuras possuem uma vida útil. Em certo momento ele isola a matriz e decide que não vai mais usá-la, pois a peça já carrega uma série de resíduos das impressões. Então o artista as retrabalha adicionando cor e transformando-as em pinturas em relevo que contém a memória das diversas imagens que já fizeram, resquícios de papel e tinta. “Elas não são mais matrizes, são pinturas, como superfícies que carregam fantasmas das impressões”, diz o artista.

 

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Osmar Salomão | 25. 07. 13 > 24. 08. 13

 Mercedes Viegas Arte Contemporânea inaugura dia 24 de julho, às 19h, para convidados, e no dia seguinte para o público, a exposição “Omar Salomão – O que pensei até agora e o que ainda falta pensar”, com trabalhos inéditos e recentes do artista e poeta nascido no Rio, em 1983. Omar Salomão irá mostrar fotografias, desenhos, cadernos, livros, objetos e poesia, em nove trabalhos e propostas instalativas. O texto crítico que acompanha a exposição é do filósofo e ensaísta Frederico Coelho.

 

O título da exposição remete a “uma relação de busca, de procura”, diz o artista. “Poesia para mim é sair da rotina, olhar com olhos novos para tudo que faz parte do mundo: a morte de um amigo, inseguranças, angústias, e dentro delas, a fragilidade, a delicadeza e as pequenas coisas. Não se trata de olhar só para coisas singelas, mas também, e até mesmo, em alguns momentos, ir de encontro a elas”, afirma Omar Salomão.

 

Em “Apagar ou como guardar um cubo de gelo para sempre”, uma série de nove fotografias mostra um cubo de gelo começando a derreter enquanto é envolvido por silver tape, na “tentativa de ser guardado”. Ao seu lado estará “De gelo”, em que a bola feita de silver tape com gelo dentro está colocada diretamente na parede. Também é um acontecimento recorrente do cotidiano que ganha destaque em “Gota”, em que uma série de quatro fotografias se constrói a partir de quatro momentos distintos em que uma gota escorre pelo vidro em um dia nublado, com uma frase poética, escrita à mão, unindo as superfícies fotográficas. E, ainda, “Out of the blue”, que revela, entre o azul do céu e o azul do rio, um fusca rebocando um barco do Rio São Francisco à noite.

Em alguns trabalhos, Omar Salomão trata fotografias, desenhos e poemas como peças ou pedaços que, durante o processo de montagem diretamente na parede, vão sendo colocados em relação e a partir dessa experiência, construindo significados possíveis entre eles. Esses desenhos, fotografias e poemas em grande parte deixam de lado molduras e incorporam rasuras e rabiscos.

 

Este é o caso de “Som e Vento”, que forma um conjunto com desenhos e textos ao redor de um guardanapo preso em uma das pontas com um alfinete, em que a sentença “uma hemorragia já controlada”, em escrita à caneta, se espalha por todos os lados. Em “Obs.”, o ponto de partida é o obituário do poeta Ericson Pires, amigo de Omar Salomão, morto há pouco mais de um ano, publicado em um jornal. Na obra, a página foi grudada em um vidro úmido, onde Omar Salomão interferiu com desenho e escrita, em parte deformados pela umidade. A fotografia registra as camadas do trabalho.

 

A partir dessa dinâmica estão estruturados também os trabalhos “Papéis Cruzados”, “Cadernos” e “Mercador de Nuvens – livro de luz”, considerado por Omar Salomão seu terceiro livro. Diferente de um livro convencional, este estará montado em uma das paredes da galeria, e irá reunir, em uma caixa de luz de acrílico, 25 folhas em papel vegetal, com desenhos, poemas e fotos. Essas páginas podem ser combinadas e colocadas – em conjuntos de até quatro sobreposições – na parte da frente da caixa, formando, em backlight, o que seria a capa do livro. A mistura de conteúdos revela diferentes possibilidades de imagens.

 “Eu entro nas artes visuais a partir da poesia, buscando maneiras de sair do papel, da ideia fechada de livro, querendo explorar outros sentidos de montagem e visualização para além da folha de papel. Talvez toda a exposição seja um grande livro de poemas”, explica Omar Salomão.

 

OMAR SALOMÃO (Rio de Janeiro, 1983)

Poeta e artista visual, escreveu os livros “Impreciso” (Dantes, 2011) e “À Deriva” (Dantes, 2005). Participou das mostras coletivas “Gil70” (Centro Cultural dos Correios, Rio, 2012), “Coletiva 11” (Mercedes Viegas Arte Contemporânea, Rio, 2011) e Vitral (Escola Livre da Palavra, Rio, 2011), entre outras, além das exposições individuais “Turbulências são apenas nuvens no caminho” (Mercedes Viegas Arte Contemporânea, Rio, 2011) e “Impreciso” (SESC Barra Mansa, Rio, 2010). Lançou em 2012, com À Colecionadora, de Luiza Marcier, uma linha de lençóis com poemas e desenhos. Em setembro de 2012, fez com Leo Cavalcanti e Paulo Mendel, espetáculo multimídia para o projeto “Palavras Cruzadas”, no Oi Futuro, com coordenação geral de Marcio Debelian. Em 2010 desenvolveu o Projeto Lavanderia, com Daniel Castanheira e Ericson Pires, misturando poesia e música eletrônica. De 2004 a 2009, integrou a banda VulgoQinho&OsCara. Participou como apresentador dos programas Oncotô, comandado por Jorge Mautner na TV Brasil, e Quarto Mundo, do Multishow. Foi curador com Heloisa Buarque de Hollanda e Bruna Beber da exposição BLOOKS – letras na rede, sobre literatura na internet, no Espaço Cultural Oi Futuro, em 2007, e da exposição “Periferia.com”, com Marcos Teobaldo, na Biblioteca de Manguinhos e no Parque Lage, em agosto de 2011. Foi assistente de curadoria de Luciano Figueiredo na exposição “Waly Salomão: Babilaques”, em 2007, no Oi Futuro (Rio), e 2008, no Sesc Pinheiros (SP). Para saber mais sobre o artista, visite o site: www.bomleao.com.

PARA OMAR, SEM MEDO

Frederico Coelho

Quando Omar me pediu um texto para sua exposição, fiquei feliz pela sua lembrança e pela sua vontade de ter meu texto associado ao seu trabalho. Ao mesmo tempo, fiquei pensando o que escrever sobre quem consegue como poucos definir em suas próprias palavras o seu trabalho? Mesmo quando as imagens de Omar não trazem escritos sobrepostos ou em diálogo direto com elas, nós temos a forte presença de um texto. Não propriamente de uma narrativa, mas de um texto poético, de um silencioso enunciado que se apresenta de forma sutil. Um grande texto que transborda esta exposição e costura toda a obra em progresso desse artista em movimento.

Omar é um criador da borda. De muitas bordas, aliás. Seus dois livros publicados trazem títulos que o colocam nesse espaço limiar: À Deriva e Impreciso. Sem nenhuma leitura literal dos títulos, vemos que tais escolhas são articuladas com sua poética que enxerga nos interstícios, que aposta no entre, que trabalha com a transparência e a ilusão. Estar à deriva não é necessariamente estar perdido E ser impreciso não é necessariamente ignorar o que se quer. Omar nos mostra que seu trânsito constante entre arte e literatura, entre imagem e palavra, é justamente o espaço em que seu olho se instala.

As obras que ele nos apresenta nessa exposição nos mostram sua abertura ao transitório. Bolas de gelo, livros de luz, voos de pássaros, nuvens, um anoitecer, a morte do amigo, plantas frágeis, tudo isso vai formando uma espécie de vocabulário sobre a singeleza. O transitório de Omar, portanto, é mais do que estar passando de um ponto a outro, é mais do que estar em trânsito. O transitório aqui é a própria condição de nossas vidas. É a nuvem que está mais não está, é o poeta que se foi mas nunca irá, é a gota que escorre mas ficará na imagem para sempre. Omar nos mostra que sua arte nos oferece uma ponte entre nossa vida bruta e o detalhe sempre potente dos breves belos que a compõe.

Ampliando essa conversa, sempre vi no trabalho de Omar, o bom leão, que palavra e imagem não conseguiriam se comportar. Elas se amam, se alimentam, são partes que se completam. Dentro da longa tradição da arte moderna em demarcar a crise da narrativa realista na arte e a constituição do espaço puramente visual do abstracionismo geométrico, Omar opta pela seara dos artistas que resolveram pensar justamente a linha de fuga que une essas duas forças da arte. Entre os campos de poder estético, Omar novamente se instala nas suas bordas. Cria palavras e imagens não como concorrentes, mas como amantes. Palavras não são meras legendas de imagens e imagens não são meras ilustrações das palavras. Há algo orgânico, algo que serpenteia nossos sentidos. Talvez isso ocorra porque não há nenhuma necessidade do poeta se sobrepor ao criador de imagens, e vice-versa. O texto, para Omar, incita a imagem. E a imagem, por sua vez, emula poesia.

De certa forma, é como se seus desenhos e fotos nos dissessem algo em segredo. Suas formas não nos dão rostos. As pessoas são compostas apenas pelos seus detalhes (unhas, pés, andares de costa). As transparências quase veladas dos papéis vegetais somam-se a essa sensação de imprecisão. Há um desejo de deixar nosso olhar em aberto. Um olhar curioso pelo que quase vemos como a falta de um rosto ou a sombra dos passantes refletida em uma parede. Temos que nos deixar levar pela imagética hesitante que Omar nos apresenta. Pois ela se transpõe para seus textos que comem o mundo das coisas e se rasura sem nos dar pistas do que um dia foi palavra. Todas as imagens e palavras nos levam como o próprio nos sugere, a um andar em círculos só para gastar energia. Procurar, entrever, supor, criar enfim um elo, mesmo que tênue, nessa rede de transições que Omar criou.

Quando Omar me convidou para escrever esse texto, eu já tinha um esboço na minha cabeça. Desde que nos conhecemos, acompanhei sua trajetória, ora mais longe, ora mais perto. A coincidência de sua exposição acontecer nesse inverno dos nossos descontentamentos foi salutar para mim. Em tempos de raivas libertadoras como energia-motora de muitos que estão nas ruas do país, pude parar por um breve momento para falar da delicadeza e até das coisas mais singelas. Fui reler seus poemas e textos do Impreciso, de 2011, e na sua última página, nos seus últimos versos, Omar lança uma flecha para um futuro que se faz presente. O poeta nos lembra que afinal “não se morre senão de medo”. E tem coisa mais singela, mais frágil em dias como os nossos que a própria vida? Que o medo não nos mate e que esta exposição nos lembre que a potencia das coisas está, sim, na sua beleza. O medo da morte não pode impedir a beleza da vida. Todos à deriva. Como diz Omar, a vida se vive na unha.

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