diseminaciones y vórtices - 28 | 07 | 11 > 27 | 08 | 11



PATRICIO VÉLEZ

VARIAÇÕES EM CINZA

 

Quando o sentido habita a sintaxe, lá se abriga e de lá não se afasta, as evocações tornam-se difíceis; a força de atração da obra nos puxa para o interior do que chamamos estrutura ou forma. O trabalho não transborda de si mesmo e não podemos tomar emprestados afetos ou narrativas para facilitar sua “leitura”; são obras de arte nas quais reina absoluto o silêncio. São assim os desenhos de Patricio Vélez. Diante deles, toda palavra parece excessiva e supérflua.

 

O cinza-luz que quer se mostrar em todos os seus valores e matizes – do quase branco ao quase negro –, apesar da aguada, não perde sua individualidade. É o mesmo e simultaneamente uma multidão de cinzas. Toda beleza deve nos inspirar cuidado, e a desses desenhos não é exceção. É muito fácil sermos seduzidos pelo rigor de sua geometria, pelos seus movimentos, pelo fascínio do domínio técnico do artista. E, subitamente, estamos envolvidos de tal forma no seu interior que nem percebemos o quanto ele nos entrega, além desse encanto. Encantados, estamos possuídos, por isso a necessidade, depois do deslumbramento, de um recuo, o retorno ao pensamento que se encontra lá no interior para onde logo fomos atraídos. Ali na forma ou estrutura, no seu silêncio absoluto, expõe seu paradoxo: a “coisa” nos fala. Escutá-la não é fácil depois do encanto.

 

Mas vou espalhar seu segredo. Não domino a arte dos narradores e por isso a estória do cinza aqui resumida vai parecer canhestra, mas quando a escutei fazia todo sentido. Na sua fala não toucou no preto e no branco, et pour cause.

 

Você me chama de coisa, mas bem sabe que não sou um ente qualquer. Sou o cinza; o próprio cinza, e se me desenho nessas inúmeras variações é porque sou o contrário de tudo que a imaginação humana me reservou. Não sou o resto de uma combustão, o que restou do que o fogo consumiu; nem lembrança, nem saudade. Sou a cor que regula e afina todas as outras. Sou o spalla da orquestra das cores. Por isso é tão difícil me fazer aparecer e reinar sozinho por toda a sala. Sei que há muita geometria nesse meu aparecimento, que me permitiu a arte de Vélez (apesar da longa convivência no atelier, não o chamo de Patricio, mantenho o respeito e ele me respeita, assim está bom e eu gosto), mas não me chame de abstrato: sou o melhor da matéria concreta, por isso alguns pensam que sou neutro, mas tenho um vigor específico e participo ativamente onde quer que esteja, que o digam as nuvens dos pintores renascentistas. Aqui, agora, vario me multiplicando a mim mesmo, me superpondo sucessivamente, como um suave e delicado corte geológico que trouxesse ao mesmo tempo todas as eras de minha existência numa história sem espessura.

 

Venho de longe, de muito longe, apareci nas cavernas e durante milhares de anos estive no Império do Meio; adorei estar em pequenos detalhes de arabescos. Por aqui, confesso, tive ciúmes do azul de Giotto; também não era para menos. Mas que eu me lembre, foi só esse o momento de ciúme; ciúme não; tive inveja mesmo. Cézanne me redimiu naquela frase que você gosta tanto de citar: “Não se é um pintor enquanto não se pintou um cinza.” Aliás, os “desenhos” de Vélez são pinturas, ou quase pinturas.

 

Foi mais ou menos isso que o cinza de Patricio Vélez me contou.

Paulo Sergio Duarte

Rio de Janeiro, julho de 2011.


obras