Tatiana Grimberg | Vania Mignone- 05 | 09 | 11 > 01 | 10 | 11
Tatiana Grinberg
O que sobra é corpo, o que resta é tempo.
As peças de Tatiana Grinberg não estão apenas expostas ao olhar. Há nelas uma abertura sensorial mais ampla, exploram o tato e a audição, entregam-se ao contato, sugerem o vazio, assumem o mistério e a delicadeza como elementos poéticos. Em um mundo hiper-excitado e espetacular, exercer a sutileza é uma forma de resistência.
A primeira impressão é sempre visual. A partir daí vão se constituindo os deslocamentos: táteis, auditivos, gustativos. Com isso, vão se criando novas sensações que se inscrevem e se referem a uma memória corporal, num jogo de correspondências produzido pelo já sentido e pelo que imaginamos sentir. O que está fora, a voz, por exemplo, se torna interior, pensamento; o branco, por sua vez, além de cor, vira fluido e frio; nesta complexa sinestesia, as palavras produzem imagens, ouvimos pela boca, o tempo cria saliva. Não interessam as sínteses, disseminam-se sensações e sentidos.
Estas pequenas esculturas apostam na potência das partes multiplicarem o todo. Não se constituem totalidades, mas todas as partes falam por si e por um todo irrealizável. Entre parênteses: “falam as partes do todo” foi um espetáculo da coreógrafa Dani Lima que teve a colaboração cênica e escultórica da artista. Nos cálculos - pequenos moldes de porcelana realizados pela pressão das mãos sobre o corpo - vemos um conjunto produzido a partir de uma soma de gestos mínimos que é ao mesmo tempo fração e forma. No aperto e nos amassos o molde em látex é virado ao avesso, o gesto segue mínimo recortando um detalhe do corpo, agora pelo negativo, pelo vazio, que é preenchido pelo som, pelas palavras, pelo tempo: Nunca mais, sempre, de novo; nunca mais, sempre, de novo. O corpo é, nestas peças, sujeito e objeto, interioridade e exterioridade, estrutura e pele.
Uma mesma repetição de fragmentos, onde corpo e tempo se articulam e se complementam, aparece na peça intitulada placebo. A apropriação tecnológica nasceu de interrogações poéticas múltiplas: pela vontade de despersonalização da voz e da narrativa, pela desconstrução do relato de intervenções cirúrgicas, pela experimentação que se desdobra em experiência que se faz outra vez experimental. O chip selado no molde preparado para ser posto na boca, produz ruídos que se traduzem, via os ossos da boca, em som e pedaços de frase. O que se ouve é o tempo, o tempo do corpo, que está dentro ao ser ouvido, e fora por não ser produzido/desejado/sentido por nós, numa sequência desarticulada de fragmentos onde tudo é parte e movimento.
Nos desenhos de Tatiana Grinberg, que são estudos e respirações, a linha se faz letra que se faz figura que se revela fragmento, luz, ausência e ritmo. A integração entre o desenho, a parede e o espaço é a reverberação orgânica de uma vivência poética das partes que se desdobram em totalidades instantâneas e incompletas. Cada peça é um detalhe do corpo que se expande no espaço que deixa de ser extensão para ser duração vivida por dentro. Nunca mais, sempre, de novo. O tempo destas pequenas esculturas e desenhos (serão só isso?) é o das simultaneidades das partes e do(s) agora(s) atravessados de memórias e de expectativas.
Luiz Camillo Osorio, Curador
VÂNIA MIGNONE
DOCE-AMARGO
A cidade é também o lugar da figuração de Vânia Mignone, uma pintura de resistência que não se rende a modismos, nem procura agradar o mercado. Sua afinidade é com a arte de rua, não a dos grafiteiros, cada vez mais institucionalizada, e sim a do desenho furtivo, rabiscado em banheiros, carteiras de escolas e muros de pouca visibilidade.
Há um sentido de urgência, até desespero nesta pintura: são figuras isoladas, sobrepostas a fundos saturados de cor, muito freqüentemente tingidos de vermelho vivo. Nenhum cenário acolhe esses jovens cujos gestos caem no vazio. São personagens tão desamparados quanto as mulheres que Bergman filma em Gritos e Sussurros, um extraordinário ensaio do uso não naturalista da cor em que vultos brancos vagam num salão saturado de vermelho.
Maria Alice Millet
Historiadora, crítica de arte e curadora