Jacqueline Belotti | E DE TODAS AS COISAS UM | | 08.07.24 > 09.08.24
abertura: 6 de julho, das 16h às 19h
exposição: 8 de julho a 9 de agosto
Jacqueline Belotti; E de todas as coisas um
Jacqueline Belotti nos apresenta sua mais recente série de trabalhos, os vasos biomórficos de cerâmica em argila e porcelana esmaltados. Os sensos de urgência, de iminência da tragédia e de potência de vida transpiram em alguns deles, os realizados durante a clausura da pandemia. São peças únicas e elaboradas com experimentalidade técnica e sofisticação intelectual. Apresentam um deslocamento delicado e conflituoso entre as pequenas partes. Os pequenos dramas equilibrados na totalidade da peça única, o vaso.
As formas de cada uma das partes que compõe a peça, associadas às formas da Natureza – da flora e da fauna, incluindo as dos corpos femininos –, são aqui amalgamadas num todo fluido e contínuo, como na tradição barroca e do rococó, mas, com um toque de surrealidade. O fogo da queima unindo pigmentos e pedra num ardor sensual e erótico.
A artista cria seu próprio diálogo e exploração com a cerâmica, não apenas com o material em si, mas com a possibilidade de trabalhar nele as questões da arte e as questões subjetivas num só mergulho. Conceitualmente, o vaso em Belotti está colapsado; obliterando a sua própria natureza funcional, ele não é receptáculo. Ela reafirma a natureza autônoma da cerâmica na arte contemporânea, antes relegada apenas ao artesanato. Colapsado também no seu aspecto técnico e formal, porque a artista, experimental em sua prática, faz uso dos acidentes quando nos processos de moldar, colar, montar, e esmaltar. A peça, num dado momento em que está sendo elaborada, literalmente despenca. Após a frustração inicial, ela acolhe e reprocessa esses acasos e perdas, reincorporando-os no processo de feitura da obra. Ela me diz que o trabalho fica muito mais interessante nesse ponto. Como se houvesse um Destino no barro.
Conversei com a artista, e falamos sobre o aspecto processual e terapêutico, meditativo, catártico, que fazer esse trabalho em cerâmica representa a constituição da sua subjetividade, de descobertas e de apaziguamento de memórias e tempos diversos.
E, por fim, na sua crítica histórica ao colonialismo. Sabemos que o vaso de argila existe antes mesmo da invasão europeia entre muitas tribos indígenas do Brasil. A obra de Jacqueline, como um todo, reflete a questão de colonialidade e ancestralidade. Seu doutoramento em artes visuais foi sobre sistemas de artes, que envolve a antropologia cultural. Notamos seu interesse pelos atravessamentos de territórios, formais e semânticos, subvertendo as técnicas, a história e seus próprios processos.
Arrisco então a dizer que, para mim, esses vasos biomórficos da mostra destacam-se pela capacidade de deslocamento ao uno, atingindo a compleição da síntese entre ancestralidade e natureza; cultura milenar clássica e cultura brasileira indígena; dádiva e oferenda.
São sobretudo esculturas, vasos que conectam o todo com o não-todo, vessels abertos a novas perspectivas poéticas. Em sua singularidade, a beleza e a brutalidade do mundo natural colidem nessas peças telúricas. Em suas texturas, formas e cores há uma grande reafirmação da potência de vida, da arte e da humanidade, um desabrochar da terra.
O título, tomado de empréstimo à Heráclito, “De todas as coisas um”, pode servir como inspiração para uma leitura da obra e nos deixa o convite à participação e à reflexão.
Paula Terra-Neale
Curadora e Historiadora da Arte
Junho 2024
Jacqueline Belotti é artista visual, pesquisadora e PhD em Artes Visuais. Lecionou na Universidade Federal do Espírito Santo. Atualmente vive e trabalha entre Rio de Janeiro, Lisboa e Londres. Realizou exposições individuais na Fundação Nacional de Arte, Brasília, e na Casa de Cultura Laura Alvim, Rio de Janeiro, entre outras. Participou de exposições coletivas na universidade de Oxford, UK; Terra-Arte Gallery, Buckinghamshire, UK; Oi Futuro Flamengo, Rio de Janeiro; e Galeria Faculdade de Belas Artes, Lisboa, entre outras. Venceu o Prêmio Funarte de Arte Contemporânea e o Prêmio Funarte Mulheres nas Artes Visuais em 2014 e 2013, respectivamente.