fragmentais | 03. 03. 16 > 02. 04. 16

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fragmentais | 03. 03. 16 > 02. 04. 16

entre o ver e o ser

 Olhar o mundo através de um filtro e, por meio dele, sequestrar fragmentos casuais... Pois para compreendê-lo, urge sê-los, reconstruí-los e devolvê-los ao mundo, assim, sob a forma de desenhos objetuais, aqui, sugestivamente alcunhados, por Luiz Monken, de Fragmentais. Sim, neologismo lógico a construções, desconstruções e reconstruções mentais. Ou simples invenções resultantes de processo sensível, elaborado pelo artista, capaz de criar coisas com delicada feminilidade, ao explorar o limite da frieza do material cerâmico,  por intermédio de um fazer masculino.  

À maneira de dança poética de material e matéria, o revestimento cerâmico, a madeira e o tecido, aliados à fotografia, ao transfer, a secções variadas, confluem em desafio: construir com o desconstruído ou ao contrário, resultando em reconstruções escultóricas. Mas, vejam, mediante destruição controlada. É dessa forma que o artista toma o mundo doméstico circundante como modelo e reconstrói nuvens, peixes, gafanhotos, gente, em planos notadamente alusivos ao universo arquitetônico e, não sem motivo, ao escultórico. Daí a presença necessária do desenho como princípio, meio e fim projetivo na série de trabalhos apresentados por Monken.

Toda a natureza é, pois, transformada em desenho que se expande no espaço, escultoricamente. Contudo, a visada perspéctica de Monken dispensa linha de terra ou horizonte. Sua perspectiva construtiva se alarga, em múltiplas fugas, para falar a respeito dos seres e coisas do mundo ao qual pertence e que habita. A vida marcada sobre a natureza do material cerâmico – que é tão fria quanto, paradoxalmente, sensual – é cingida a toques, traços, tramas, calculadamente, viris. À sedutora textura cerâmica corresponde um leito macio ou maleável, quer de madeira ou de algodão, em que repousam e volitam reconstruções graciosas, cujas linhas são definidas pelo corte (ou limite) do material, numa doma do acaso. É dessa maneira que o artista retira do azulejo ou lhe adiciona a forma que fora sequestrada por ele do cotidiano. Seus Fragmentais são desenhos no espaço, igualmente objetos, porque pressupõem não apenas a frontalidade, mas camadas de certa espessura não tão lisa quanto sua superfície acetinada.

Legados da construção civil sobre a frágil superfície cerâmica são os meios eleitos por Monken na realização de suas recontruções. O gesto bruto do corte ou a quebra com alicate, a perfuração mecânica com broca de furadeira, o arranhão manual com ponteiro de diamante findam em modulações construtivas de sedutora suavidade. É como se uma atmosfera feminina conferisse beleza ao trivial.

Em alternância de escala e pontos de vista (ampliada ou reduzida, de cima, de lado, de dentro, de fora, enfim), o artista, também arquiteto, parece almejar, ao seu olhar sobre os seres e as coisas do mundo, a imortalidade de deusas... Ao menos um marco de sua existência ou passagem....

Ao peixe do seu riacho, ao gafanhoto do seu jardim a perenidade comparável à do ser fossilizado. Não obstante uma forma tosca sobre pedra fria, vemos a riqueza de detalhes metalizados, qual índice do alumínio que o esculpiu em baixo-relevo. Quase análogos as vistas aéreas, ora curvas de nível, ora depressões sobre superfícies planas ou mosaicos em dobra, rostos anônimos de frívolas fotografia e estatuária parecem desejar o destino comum de ventre fecundo: formar núcleo familiar de pai, mãe e menina. Ou, quiçá, mera genealogia de afeto presentificada em imagens tridimensionais, que contrastam a maleabilidade das linhas do desenho ou do algodão com a dureza da grade planimétrica do azulejo ou da simples técnica de execução.

Algo, porém, é inquestionável no conjunto de obras de Monken, a vontade de suplantar a natureza enquanto representação. Seus Fragmentais presentificam-na, indicando-nos questionamentos sobre seres e coisas no mundo, por meio de seus “objetos – igualmente seres-coisas desse mundo”. E que só se completam, mediante o interesse que nos despertam conferindo-lhes sentido, assim, entre o ver e o ser.

 

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