Maria Baigur | ESSE MOMENTO > 13.08.22 - 06.09.2022



Maria Baigur |

                                                                                                 13 de agosto > 6 de setembro de 2022  

#essemomento

Esse momento é um projeto da artista Maria Baigur que teve como ponto de partida a venda de 100 faixas de ráfia, com a expressão “esse momento”. Mantra disseminado por Baigur em forma de objeto; a venda do múltiplo começou um pouco antes do carnaval pandêmico, em abril de 2022. A artista reuniu, para sua segunda individual na Mercedes Viegas, fotografias do deslocamento das faixas pelas ruas do Rio de Janeiro: no meio do bloco, no meio das ondas, ou atrapalhando o trânsito das ruas do Saara – no mercadão tradicional, a faixa aberta, em sua primeiríssima versão, tem 3 metros de comprimento.

Esse momento, flutuando esticada sobre as nossas cabeças, torna literal a suspensão do tempo – aquele milésimo de segundo – do instante da foto. A escolha do local para a fotografia, a decisão de quando apertar o botão na tela do celular para sacar a tal foto também insistem e nos repetem: fotografar é agir sobre o tempo. A assertiva é óbvia ululante, já sabemos. A fotografia entendida como a capacidade de arrancar alguma coisa, acontecimento, congelar um semblante para fora do tempo que escorre no ralo, sem nos dar muita trégua.

Maria Baigur tem trabalhado com o campo ampliado da fotografia. Com esse projeto sendo desdobrado em diferentes camadas, se pergunta: Preciso fotografar? Como? Onde? O quê?

A operação da artista, ao colocar à venda 100 múltiplos de “esse momento”, fez com que a faixa pudesse ser carregada e fotografada, em n situações, por amigos, conhecidos de Maria e por estranhos. Esse movimento do próprio objeto desloca o trabalho da artista de fotografar. Não é mais sobre de quem é a foto; queremos saber desse objeto/corpo fotografado – a faixa – e em quais situações ela foi aberta e suspensa. A operação de venda e de distribuição dos múltiplos e, ainda, a faísca produzida pelas postagens da própria artista, com a faixa no metrô em movimento, na calçada do bar, carregando a filha em seu braço, a filha segurando a faixa deram início a um “jogo social”. Esse jogo diz sobre a afetação do sujeito ao ser fotografado – sim, fazemos pose!, diante da fotógrafa –, como escrevera Barthes, em A câmera clara; mas, em Baigur, o “jogo social” perfaz a vida e a sobrevida dos muitos “esses momentos” surfados nas redes sociais.

O “jogo social” como valor de exposição.

As imagens das faixas vão se mostrando, bem exibidas, para a artista, via postagens nos aplicativos – face, insta e etc. A artista é espectadora de seu próprio projeto. Ela coleta, agrupa e reposta as imagens de autorias alheias. Esse momento virou hashtag #essemomento. O projeto de Baigur é filho, fruto de nossa vida instagramável, de cada momento tornado público. Aí, o instante da foto passa a ser a duração do trajeto percorrido por essas imagens publicadas, repostadas, compartilhadas na rede, em seus inúmeros formatos. Imagens fantasmáticas repetem o gesto de sustentar “esse momento” e boiam erráticas na internet, sem lenço nem documento, demandando na sua mostração pública, alguns likes – um valor de exposição? Maria Baigur pode, por exemplo, não saber de onde estão vindo #essemomento nem para onde estão indo... opa, virou uma figurinha de whatsapp! Essa falta de controle da artista, das imagens geradas pelo projeto, discute a autoria e tensiona o domínio público da hashtag, funcionando como imagem múltipla e descentralizada.

O projeto que teve as redes sociais como primeira casa ganha outra camada na Mercedes Viegas. Maria Baigur escolhe expor fotografias que ela mesma tirou – salvo exceção de uma imagem de autoria anônima. Nesse conjunto reunido na galeria, as fotografias ganham dimensão para além das telas: a materialidade do papel, a textura da impressão, a moldura, a foto na parede. Há outro peso, inevitavelmente. Existe outra relação espacial, também. A suspensão temporal, aquela do instante da fotografia, continua sendo retomada pela presença da faixa em todas as imagens expostas. Mesmo quando não conseguimos vê-la. Há sempre traços desse corpo.

Um homem de boné atravessa a rua bem no instante da foto. Seu corpo bloqueia a imagem da faixa. Ao fundo da cena, vemos sinais de sua existência: duas pessoas segurando, cada uma, uma ponta; lemos uma pontinha de -TO. Com certeza, esse momento, está ali depois do homem congelado, quando atravessava bem o meio da rua. Ele foi capturado por Baigur. Do conjunto exposto, essa imagem mimetiza a ruptura do fluxo temporal (e espacial), instaurado pela fotografia – esse momento faz a rua parar, o corpo do homem de boné congelar, o sinal está vermelho, inclusive. Na outra margem do projeto, alguém entrou no mar e suspendeu a faixa sobre sua cabeça. O rastro de um corpo, do nosso corpo flutuando no mar, afirmado na existência de esse momento suspenso. Ali, onde o vai-e-vem das ondas não cessa jamais, fixamos o embate entre o fluxo do tempo e o tempo de vida das imagens nas redes sociais e para além delas.

Que Maria continue o jogo!

Natália Quinderé 11 de agosto de 2022 .


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