bichos | 20. 11. 13 > 05. 12. 13
bichos | 20. 11. 13 > 05. 12. 13
A galeria Mercedes Viegas Arte Contemporânea abre a partir do dia 19 de Novembro de 2013, para convidados, a exposição BICHOS, individual da artista Alice Quaresma.
A mostra é resultado de um projeto iniciado em Junho de 2013, a partir de fotos de animais em seu habitat natural tiradas pela artista durante uma viagem a África do Sul.
“Durante o processo fotográfico me encantei com as imagens criadas pelo instinto animal presente na savana africana e pelo o descontrole na fotografia. Dediquei minha pesquisa fotográfica a momentos rotineiros da vida animal que foram representados por imagens abstratas e agressivas. A escolha da imagem preta e branca para as fotografias desta serie remete a simplicidade e a primitividade do processo preto e branco em relação ao colorido que é um processo mais complexo e detalhado. A fotografia PB cria imagens mais agressivas e melancólicas que contrasta com as cores coloridas das marcas geométricas que sobre põem cada imagem desta serie.”
Na mostra serão expostas 15 trabalhos de técnica mista: impressões fotográficas com interferências de tinta acrílica. Todas peças únicas.
Inspirada pela geometria do neoconcretismo Brasileiro, a série fala da justaposição do instinto animal predominado pela ausência do raciocínio na selva com o controle obsessivo do homem que cria formas e cores industrializas para satisfazer seus desejos. O instinto animal é o impulso, o irracional, o inesperado.
Nascida em 1985 no Rio de Janeiro, Alice começou a pintar aos 12 anos e em 2007 formou-se em em artes plásticas pela faculdade Central Saint Marins em Londres. Foi na faculdade que a artista percebeu que as fotografias que estava usando para o desenvolvimento de pinturas eram mais interessantes e impactantes do que os próprios quadros. Mudou-se para Nova Iorque onde concluiu com distinção em 2009 mestrado em fotografia pela Pratt Institute.
Participou de coletivas no Rio de Janeiro, Miami, Nova Iorque e Londres. Em 2009 e 2010 expôs individualmente no PS122 Gallery na Pratt Institute Gallery, ambas em NY, e em 2011 na expo Duas Pessoas sem (Cem) Lugares, na Galeria Mercedes Viegas, RJ. Foi selecionada para o edital da MACCA (Mid-America College Art Association), vencedora do premio PS122 em NY, ficou entre os Top 50 do premio 3rd Ward, Top 12 (Honorable Mention) do concurso do CCNY (Camera Club of New York) e entre os 10 finalistas do concurso Garimpo (revista Dasartes). Em Setembro de 2013 a artista iniciou a Residência do Barracão Maravilha, no Rio de Janeiro.
O Instinto Inibido
A produção artística de Alice Quaresma tem explorado aspectos de suas memórias mais intimas e exposto sua identidade cultural e pessoal de maneira singela, e ao mesmo tempo reveladora. O dia-a-dia doméstico e objetos cotidianos são escrutinados pela artista, e compõem construções estéticas de intensa beleza. São exemplos desta produção séries como “Memórias” e “Raízes”, esta última resultado de sua recente residência artística no Barracão Maravilha. Em BICHOS, contudo, a artista se distancia deste ambiente familiar com o intuito de revelar novos significados e aprofundar sua investigação visual. Por sua complexidade técnica e temática, BICHOS representa uma nova etapa na obra da artista.
O conjunto de trabalhos aqui apresentados explora um ambiente de alta complexidade e carga simbólica, e traz à tona elementos da natureza humana em seu estado mais primordial: medo, fome, violência e ternura. Inerentes a todos, estas qualidades nos aproximam do mundo natural dos quais nos distanciamos ao longo das gerações. O cenário destas imagens é um ambiente selvagem, que abriga uma série de narrativas cujos agentes principais são animais da savana africana. Esses registros têm uma qualidade quase abstrata, e revelam agressividade e melancolia; são espelhos nos quais vemos refletidas nossas próprias características humanas.
Na sua superfície, os trabalhos parecem ser simplesmente constituídos de impressões fotográficas, normalmente caracterizadas por sua reprodutibilidade. Contudo, as interferências criadas pela artista – marcas precisas, realizadas diretamente nas impressões fotográficas – conferem aos trabalhos qualidade única. Como resultado, as obras transcendem a linguagem da fotografia, e adquirem qualidades da pintura. Alice Quaresma, cuja trajetória artística tem forte relação com a fotografia, tanto enquanto mídia como objeto de pesquisa acadêmica, faz uso de sua influência técnica de maneira admirável, e se utiliza de linguagens estéticas distintas para produzir, nesta série de trabalhos, imagens de intensa carga simbólica. As formas geométricas que se sobrepõem às imagens reveladas, bem como o próprio título da exposição, têm como referência as linhas orgânicas dos elementos fotografados por ela, e indicam o apreço da artista pelo movimento neoconcretista, dialogando com referências da história da arte no Brasil.
O contraste entre os elementos registrados através do processo fotográfico, todos eles de natureza orgânica, e as intervenções criadas diretamente pela artista na superfície dos trabalhos, ressaltam a ruptura entre o natural e o mecânico. As cores industriais utilizadas simplesmente não poderiam existir na natureza, e marcam visualmente a extrema ruptura entre estes dois mundos. Assim, a artista articula a relação entre o homem e o mundo natural, e o poder, muitas vezes destrutivo e antagônico, que a humanidade exerce sobre a natureza.
A violência presente na maioria dos trabalhos é contrastada pela ternura do conjunto “Família”, que retrata uma família de elefantes em cenas de ternura e carinho comoventes, características estas também da natureza humana. Seu formato e composição contrastam com o restante do grupo de trabalhos apresentados na mostra. Outro contraponto marcante é a dupla de trabalhos em grande escala compostos por impressões fotográficas coloridas: “Oceano” e “Vulcão”. Eles criam espaços focais no conjunto, e incrementam a composição estética da série.
João Guarantani
curador