atravessamentos | 11. 07. 14 > 28. 07. 14

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atravessamentos | 11. 07. 14 > 28. 07. 14

A Mercedes Viegas Arte Contemporânea inaugura, no dia 10 de Julho a exposição Atravessamentos, de Raphael Couto.

Em Atravessamentos o artista busca as relações entre corpo e imagem por meio de encontros entre objetos e corpo: cortar, costurar, engolir ou regurgitar, alterar a imagem do corpo por meio de ações feitas para a câmera. O corpo se expande no documento mecânico, se deforma, se reinventa por meio da relação com as coisas. Na exposição, que apresenta quatro séries de fotografias, dois vídeos e uma performance, o corpo do artista se desdobra em possibilidades, sendo executor, suporte e mídia.

Raphael Couto é artista, e professor de Artes Visuais do Colégio Pedro II. Mestre em Estudos Contemporâneos das Artes pela UFF. Como artista, explora relações entre corpo e imagem, e participa de exposições e festivais de performance desde 2004. Possui trabalhos em diversas coleções privadas, entre elas a coleção Joaquim Paiva e a coleção Gilberto Chateaubriand (em comodato no MAM/RJ).

Atravessamentos   Raphael Couto

 

texto de Elisa Byington

 

“não o orgulhoso homo sapiens mas o homo vulnerabilis, essa pobre e

exposta criatura, cujo corpo sofre o duplo trauma do nascimento e da morte”,

René Berger, citado por Raphael Couto

 

A agulha pontuda e curva atravessa a pele do artista que costura tecidos, borda pérolas sobre seu corpo, em uma operação plástica. A pinça puxa a linha, a pele se rompe aqui e ali e deixa pequenas gotas de sangue no rastro do bordado, que desenha sobre o peito a ponta de um coração. Impossível ignorar o aspecto metalinguístico do quadro, enquanto as reações cutâneas e a vermelhidão que se espalha dão a dimensão da realidade da imagem fotográfica, entre dor física e prazer estético.

 

Há uma forte conotação ritual e sacrificial nesta espécie de cirurgia sem cortes, que busca a transformação do corpo por acréscimos, superposições, substituições estéticas, e opta por elementos estranhos à fisiologia: copos de vidro, tecidos e elásticos, entre outros, que procuram redesenhar os limites do corpo e seus traços característicos. Notáveis os autorretratos que oscilam entre a desfiguração e a refiguração do rosto-escultura.

 

É uma arte vivida com coragem, literalmente sobre a própria pele, inescapável espelho da identidade, depositária das memorias e marcas que afloram durante a existência. Uma pele reformulada como objeto, sobre a qual natureza e artificio se misturam na busca de outra unidade para o corpo. Pintura e escultura do ser no mundo.

 

Na escolha de constituir-se em sujeito e objeto da própria arte, Raphael Couto tem urgência em falar da vulnerabilidade do ser humano, da dor, do erotismo gay, das brechas e margens ambíguas do corpo, da experiência do sagrado e profano por seu intermédio. A ideia do corpo ferido e da purificação ritual estão bem presentes para o artista que tematiza, nos seus escritos, as questões iconológicas do corpo de Deus encarnado, oferecido em sacrifício para a regeneração da humanidade, seu papel simbólico estruturante para grande parte da imagética e pensamento Ocidental.

 

Há um projeto e um desenho que precedem os trabalhos: sejam estes performances feitas para o publico, sejam realizadas somente para a câmera fotográfica. Na série dos patchwork, a obra afirma sua plena participação na historia da arte: costura quadrados de cores primarias sobre a pele, reconfigurando-a com a referencia formal e cromática ao abstracionismo mondrianiano. A este, se superpõe, ainda, o brilho do cetim que traz à memória a sensualidade dos parangolés de Oiticica. Há também a sobriedade nas “suturas” que aplicam o azul e o branco em diferentes transparências sobre o rosado da pele, colorido clássico como em uma odalisca de Ingres ou Madonna de Bellini.

 

A fotografia passou a ocupar um lugar central nos trabalhos de tipo processual. Outrora mero registro, hoje é parte integrante da criação. Transformou as obras que eram efêmeras e transitórias, por definição, em objeto de arte. A imagem resultante anula o tempo da performance, congela o instante, reconsidera as questões de composição e iluminação, mas consente também uma diferente aproximação do olhar, uma intimidade que deixa ver os poros, as marcas, as reações cutâneas, que acrescentam força dramática à obras que tem como material o ser humano.

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