Alice Quaresma | Daniel Melim - 04 | 05 | 11 > 04 | 06 | 11



ALICE QUARESMA

 O Cotidiano Congelado

 O fundo neutro obriga os objetos não a posarem, mas a se confessarem. Seriam eles um diário? Difícil responder, uma vez que o tratamento ao qual são submetidos é quase classificatório. No entanto, é a capacidade de fazer este repertório de vestígios banais do dia a dia que marca as fotos de Alice Quaresma. Isolados, os objetos enfrentam o vazio que os circunda de um silêncio surdo. Em certos momentos eles oscilam entre se pronunciarem ou se ocultarem no branco do papel. Permanece na sua disposição organizada, rígida, uma objetividade estranha, posto que eles se localizam entre sua presença como imagem e a sensação de uma finitude que se anuncia neste “catálogo do comum”. Estas imagens de objetos, imagens-objetos, existem em um tempo simultaneamente interrompido e, por isto mesmo, concluso. Localizam-se em um espaço cuja neutralidade os torna mais enfáticos – retirados de uma cena e de uma luz banais, apresentam-se como monumentos do mínimo, taxionomia da intimidade.

 No caso destas fotos trata-se de uma intimidade que, tornada motivo e objeto, precisa fazer-se distanciada. Não há indícios de presença humana. As coisas estão ali numa arqueologia sem sinais, sem pátina, encarando o espectador, aprisionadas nesta temporalidade imprecisa que vez por outra reveste a imagem fotográfica, o dilema do clique que não sabemos se torna o instante definitivo ou trai no que ele tem (e o condena) de eternamente efêmero. Aqui temos um aspecto emblemático intrínseco às imagens de Alice: pois se algumas delas indiretamente sugerem vez por outra um onde e quando (se prestarmos atenção a alguns objetos sabemos localiza-los no espaço e, quem sabe no tempo; um saco de pão no canto de um carrinho de feira, por exemplo, nos sugere uma idéia de em que lugar aquela cena aconteceu), outras se negam terminantemente a faze-lo. Criam assim um jogo duplo a partir daquela monumentalidade acima descrita, uma vez que inscrevem o fugidio numa esfera que lhe é oposta, a saber, aquela permanência quieta da duração. Imagens cuja aparição ou desaparição dos objetos deixa de ser algo antagônico, imagens que ocupam a superfície criando ausências.

  Guilherme Bueno

  

Daniel Melim

 As palavras “membrana”, ”não suporte” e “pele da pintura” surgem a propósito do trabalho do Daniel Melim. Palavras que referindo-se talvez mais ao processo, remetem, como a própria pintura, para o campo do orgânico, do vivo, do movimento.

 Nos seus quadros encontramos modelos de tecidos coloridos criados pelo pintor que parecem querer voar, parecem querer subir, parecem querer viver. Quase enquadrados num azul ambicioso que os encoraja; sente-se neles a vontade da vida, desse descolar.

Apesar deste enorme esforço, bem estéril, há sempre uma parte escondida, presa, que os segura e fixa a uma condição de inanimados, de amarrados, de objectos mortos. Da sua vontade sai apenas um belo acto falhado, em permanente suspenção.

Estão então assim condenados ao eterno ensaio do que seriam, congelados no esboço pequeno de um movimento só.

 É desta incerteza poética entre o vivo e o morto, o movimento e o estático, o livre e o preso, o chão e o ar, que tratam os quadros e desenhos em exposição.

 Logo na entrada da galeria encontramos dois desenhos. Num deles vemos um estendal que esvoaça ao vento numa imagem de leveza e afirmação positiva. O outro desenho sugere o mesmo estendal, agora destruído, caído por terra. De um lado a vida ao vento, do outro a morte caída no chão.

Parece assim que esta dualidade, que quer ser o grande tema do pintor, se nos mostra claramente, de uma forma metafóricamente simples e completa, reduzida à sua essência, assim que chegamos.

Todos os trabalhos que depois se seguem serão assim representações plásticas e variações de uma mesma manifestação: a tensão entre a ascensão e a queda, a relação entre o céu e um corpo, a limitação firme e branda do viver.

 Jorge Emanuel Espinho


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