Alvaro Seixas - keep dripping | Patricia Carmo - branco sujo | 29. 06. 12 > 28. 07. 12
Alvaro Seixas - keep dripping | Patricia Carmo - branco sujo | 29. 06. 12 > 28. 07. 12
ALVARO SEIXAS
O ARTISTA COMO IMPOSTOR
Alvaro Seixas aborda francamente o problema: a maior parte de suas telas é indicativa de um lugar, de uma referência que transita entre o suprematismo, o expressionismo abstrato, o minimalismo e pós-minimalismo. E, porque são (a princípio) autorreferentes, essas telas colocam o espectador diante de uma significação. Ora, é impossível, diante de uma tela de Seixas não experimentar esse reflexo: procuramos a analogia, assim como a legenda de uma obra é incessantemente procurada pelos visitantes de um museu antes da contemplação da pintura. Portanto, procuramos e, evidentemente, encontramos “erros”, “desajustes” em relação ao original. Ou pelo menos – e aqui começa a produção de Seixas - o que encontramos – a tela e a revelação de um incessante enigma - é ambíguo: entre os falsos Malevitchs, Blinky Palermos que “nada” representam, permeando certa vagueza, somos deslocados para uma outra lógica: embora possa receber a qualidade de “impostora”, a tela tem um fim: o que nela se passa está em conformidade com uma certa finalidade. Sua obra não pode ser julgada em um primeiro olhar, pois não se trata de uma relação de imitação tampouco de inspiração. Passando ao largo da instância entre ser original e cópia, a obra busca uma autonomia que acaba por recodificar o real, isto é, ao se colocar como uma falsa aparição e logo adiante superar essa ideia, percebemos o método investigativo, a preparação criteriosa da obra, suas camadas de óleo e velaturas elaboradas. Sua tela não trata de uma reprodução ou fazer crer ao espectador uma incrível (e falsa) ilusão de facilidade. Sua obra coincide plenamente com sua aparência, isto é, uma série de obras ou dispositivos imagéticos que são plenamente reconhecidos ou consagrados pela história da arte e, portanto, é necessário atrever-se a afirmar que é uma obra banal. Porém, por outro lado – e aqui está outra qualidade – esta aparência não coincide com uma linguagem que está deslocada de seu lugar, pois é gauche. É uma obra permeada de erros, imperfeições e falsidades que descobertas em um segundo momento de apreciação deslocam-na para um território de autonomia em relação à “matriz”. Passamos a analisar a sua obra como uma pintura qualquer – no melhor sentido que essa expressão possa vir a ter -, e nesse momento a relação de aproximação e diálogo com a história da pintura ganha novos contornos e trajetórias.
Essa sucessão de “erros” quando colocados lado a lado acabam por criar uma condição de abjetos a elas próprias – as obras – e ao território da galeria. As obras deixam de dialogar entre si – condição primaz de uma curadoria - ou então esse diálogo se dá pela forma de uma contaminação que é atravessada pelo ruído, por certa sujeira. Há uma atmosfera de desarmonia e paradoxos sendo apresentada: obras próximas ao chão, ou no encontro de arestas, obras menores sendo “engolidas” por maiores, discordâncias entre cores, formatos e escalas assim como o próprio título da exposição (Keep Dripping). Este é mais um momento da referida permanência que a sua obra possui e da sua desvinculação com a ideia frágil de ser nomeada como impostora. Ou melhor, esta condição lentamente se transforma em uma qualidade preenchida de cinismo e deboche corrosivos. Sua obra torna-se um agente infiltrador, cáustico, portador de questionamentos e elemento criador de seu próprio circuito.
Felipe Scovino, junho 2012.
PATRICIA CARMO
“Meu país, essa parte de mim fora de mim, constantemente a procurar-me.”
Carlos Drummond de Andrade, Canto Brasileiro, in As impurezas do Branco, 1973.
Patricia Carmo é uma artista visceral. Seu modo de abordar o trabalho artístico consiste em constante corpo-a-corpo com a matéria e os materiais. O confronto com a matriz artesanal da arte, é-lhe profundamente cara, fundamental, como parâmetro de realidade que acompanha a estruturação do conceito. O empenho físico do trabalho com a argila, o gesso, a madeira, parece dar força e sentido aos objetos que vão se materializando. A passagem das horas, dos dias, as marcas cotidianas do tempo, são para ela fragmentos palpáveis do mundo, ideias impregnadas de “calor”.
Vocação nômade, Patricia viveu entre a Alemanha e Italia metade de sua vida; a totalidade da sua vida adulta. O presente trabalho surge na Itália a partir das impressões do polegar sobre a argila, gesto que tinha como resultado pequenas esculturas de forma orgânica, semelhantes às vagens produzidas pelas árvores leguminosas. Pau-brasil.
Árvore primordial. Nome de batismo de uma nação e símbolo da fúria predatória do homem contra a natureza. Arvore extinta. Desconhecida da maioria apesar do nome onipresente. Por meio dela, signo e metáfora, Patricia aborda a questão da identidade além da questão nacional, tema muito presente em sua trajetória marcada pela experiência na escola de Joseph Beuys, artista que pôs a união entre arte, vida e natureza no centro da sua poética.
A artista abraça o tronco da arvore envolvendo-o com gazes de gesso. O gesto é intimamente carregado do impulso de proteção e sentido curativo. A proximidade permite experimentar-lhe a forma e a infinita variação dos poros, fungos e mofos depositados sobre o tronco, a mítica coloração avermelhada. Pau-brasil.
O bosque de pau-brasil no Jardim Botanico do Rio de Janeiro é o cenário de um teatro interior longamente buscado, onde se entrelaçam memória e imaginação. A escultura que resulta deste encontro ritual é presença e falta, substancia e memória. Os objetos ligam os homens ao mundo, falam de sua identidade. As pequenas esculturas brancas dentro da caixa sugerem um ritmo, claro-escuro, e se apresentam como objeto de meditação.
A natureza não é paisagem. É um organismo que pulsa em cada pequena parte. Os pequenos segredos de suas formas, as ocultas geometrias, se combinam em uma equação mágica onde o aspecto visível evoca o invisível. Nesta ligação oculta, à exemplo dos antigos, a artista busca o fio condutor da harmonia entre as esferas terrestre e celeste.
Elisa Byington, junho 2012