entrelinhas | tronco | 23. 03. 17 > 29. 04. 17

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Cristina Lapo - entrelinhas | 23. 03. 17 > 29. 04. 17

                                   

Em seus trabalhos, Cristina Lapo maneja elementos básicos: ponto, linha, plano. Ela os manipula de várias maneiras, não é uma operação meramente formal (o que uma observação superficial poderia fazer parecer). Ela se interessa por esgarçar as possibilidades de combinações desses elementos e de seus atributos. Assim, a linha pode assumir diversas características visuais. Desenhos produzidos por sulcos em uma superfície, que ficam no limite da representação figurativa de objetos conhecidos, mas que não o são de fato; linhas que aparentam movimentar-se no espaço – mas estão em uma superfície plana – como um registro fotográfico no tempo (à semelhança de Eadweard Muybridge e Étienne-Jules Marey); e conjuntos de linhas agrupadas ordenadamente sobre um plano, representando outros planos, que remetem a arquiteturas, embora sejam abstrações. Os planos, em alguns trabalhos, se expandem fisicamente para o espaço expositivo, para a arquitetura real onde estão inseridos, nem sempre acompanhando a sua ortogonalidade. As linhas, por vezes, são coloridas, largas, finas, ou se dissolvem como em uma pintura. Em alguns trabalhos, elas ganham o espaço (às vezes duplicando-se visualmente), extrapolam as duas dimensões, tendo corpo, massa, volume: materialidade. Nesse rompimento, as linhas transpassam (ou ligam) pranchas em pontos específicos – calculados com precisão –, unindo planos distintos e criando novos entre os seus espaços, bem como formando volumes adicionais. Segundo Lapo, “a linha tem uma enorme energia, nunca é estática, é o deslocamento de um ponto, uma trajetória com movimentos: horizontal, vertical, diagonal”.

 

Na geometria, o ponto tem uma dimensão mínima, infinitesimal, e um conjunto deles forma uma reta, que, por sua vez, com outras, faz um plano, e planos agrupados produzem volumes. Tratando-se de arte, qualquer desses elementos gera uma visualidade, portanto, pontos, linhas, planos e volumes não são conceitos abstratos, pois agrupados (ou mesmo, isolados), podem constituir uma obra. Esta, por sua vez, causa reflexão, deslocando o pensamento de quem a observa, e, do mesmo modo, provoca a deslocação do corpo no espaço, pois cada perspectiva, cada ponto de vista (físico ou intelectual), lhe confere um sentido singular. O olhar vai em linha direta até a obra, escaneando-a em planos, como em uma tomografia, e, depois, o cérebro junta tudo para formar uma imagem mental. Segundo Lapo, “a tentativa de desvendar a obra, por parte do espectador, é outro tipo de exploração da tridimensionalidade do trabalho”. E é isso que a artista quer provocar. Com as linhas que desenha, abrem-se espaços (entre elas), os visíveis na obra, e espaços são abertos na mente de quem observa os trabalhos, pois nem tudo é explícito, há sempre algo nas entrelinhas.

 

Em sua expressão artística, Lapo utiliza madeira, aglomerados de fibras de madeira, aço inoxidável, aço-carbono, linha, adesivos plásticos, tinta acrílica e tinta automotiva. Na construção dos trabalhos aqui analisados, ela usa poucas cores, acarretando que, ao final, se sobressaiam as formas escultóricas e o desenho. A profusão é nas muitas maneiras de utilização dos elementos simples (ponto, linha, plano, volume), todavia, na maioria dos trabalhos, individualmente, isso é feito contida e precisamente. Lapo traduz, de modo sintético, o seu pensamento plástico para o mundo tangível, sem excesso de informações visuais.

 

A artista luso-brasileira Cristina Lapo nasceu no Rio de Janeiro em 1981. De 2000 a 2001, estudou na Inglaterra no Kent Institute of Art & Design e, na sequência, até 2004, fez bacharelado em Comunicação Visual (Ilustração) na University of Central England. Depois, diplomou-se em Ilustração pelo ETIC Design Instituto, em Lisboa, Portugal. Fez pós-graduação em Belas Artes no Instituto de Arte de São Francisco, nos Estados Unidos, em 2011, e concluiu o mestrado em Belas Artes na mesma instituição em 2012. De volta ao Brasil em 2014, estudou no Parque Lage com Franz Manata, João Carlos Goldberg e Iole de Freitas. A artista já mostrou seus trabalhos em exposições em Portugal, EUA e Brasil, incluindo participação na Art Rua e na ArtRio.

                                                                                                                                André Sheik, fevereiro de 2017

Raphael Couto - tronco | 23. 03. 17 > 29. 04. 17

A exposição, minha segunda individual, é resultado de experimentações desenvolvidas nos últimos meses, focado na performance e seus desdobramentos no vídeo e na fotografia. Essas ações, encontros entre corpo, arquitetura e natureza, partem de um desejo de um corpo mais físico em sua totalidade –ao mesmo estranho e harmônico nos ambientes em que me insiro.

            Diferentemente das produções anteriores – que tinham o corpo como suporte de intervenções, dando a este um carácter de objeto – penso aqui num corpo (eu-corpo, meu-corpo) em situações de sustentação, resistência e equilíbrio, afetado pelos diversos ambientes de convívio: casa, quintal, mata, ateliê.

            Intitula a exposição o vídeo tronco, desenvolvido durante residência na zona rural de Brasília, onde me coloco numa conversa com a própria natureza do cerrado, frágil e resistente, que se organiza num ciclo intenso de vida e morte – onde incêndios (criminosos ou naturais) e regenerações se sobrepõem.  Ao me colocar em tensão e equilíbrio entre corpo e galho – tronco do corpo e tronco da natureza – busco, junto às variações de luz e aos pequenos sons uma estranha e quase impossível simbiose entre pele e cinzas – que formam desenhos e acidentes.

            Ao vídeo seguem fotos homônimas, realizadas em duas residências (a citada em Brasília e em Resende/RJ), onde busco um diálogo direto com a estrutura tronco – estando em contato direto com a terra, seja no apoiar-me nesse natureza-morta, seja no prender-me à terra – a mesma que sustenta e mantém vivos os pinheirais que me rodeiam.

            Faixas. Nessas fotografias, atravessado por uma faixa adesiva, penso num corpo no ambiente arquitetônico – onde chão e parede do ateliê, com suas marcas do tempo, reforçam essa presença do corpo (também com suas marcas do tempo) em busca de outros desenhos e movimentos.  Numa referência direta à videoperformance de Bruce Nauman “Walking in an Exaggerated Manner Around the Perimeter of a Square” (1967-8), o corpo ocupa esses espaços de modo escultórico, criando jogos de força e equilíbrio restritos pela faixa cromática.

            Ainda na exposição, o vídeo Pedra enfatiza a plasticidade do corpo, quando, ao pendurar uma pequena pedra no pulso, crio uma espécie de “dança” desta no repuxar da pele, e o vídeo Vertigem, onde mastigo e regurgito o livro homônimo de WG Sebald – onde um corpo que caminha pelo mundo (e se afeta por este com crises de vertigem) afeta o meu próprio corpo no repetitivo e exaustivo processo.

Acredito que o título tronco se reforça no corpo nu, na medida que este se universaliza enquanto corpo e não apenas o meu corpo específico (mesmo que o meu corpo tenha uma forte presença, de certa forma autobiográfica), num diálogo enquanto elemento da arte em si, por colocar-se enquanto matéria-carne.

            Raphael Couto

 

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