cortes | 09. 05. 13 > 01. 06. 13
cortes | 09. 05. 13 > 01. 06. 13
Mercedes Viegas Arte Contemporânea abre no próximo dia 8 de maio de 2013, para convidados, e no dia seguinte para o público, a exposição “Cortes”, com obras recentes e inéditas da artista Beatriz Carneiro, em curadoria de Marcelo Campos. Na exposição estarão 11 fotografias de tamanhos variados, seis monotipias e objetos, que mostram a pesquisa da artista, que combina materiais orgânicos e industriais, utilizando técnicas diversas como curtir, entalhar, queimar, gravar e fotografar. Na sala menor da galeria, o público poderá ver ainda a mesa de trabalho da artista, com seus objetos pessoais, em meio a trabalhos recentes.
Há seis anos no Rio, onde ocupa um ateliê na antiga fábrica Bhering, Beatriz Carneiro, carioca nascida em 1964, passou 15 anos entre Nova York, Paris e Genebra, onde se formou pela prestigiosa Haute Ecole d’Art et Design (HEAD), deu aulas de desenho e história da arte, e realizou exposições. Seus trabalhos estão em acervos suíços tanto públicos, como o museu Château de Nyon, e privados. Desde o ano passado é representada pela Mercedes Viegas Arte Contemporânea, que expôs seus trabalhos na SP Arte, ArtRio e em duas coletivas na galeria.
Em seu tempo no exterior, Beatriz Carneiro se dedicou intensamente aos estudos e participou ativamente da cena alternativa europeia, desenvolvendo seu trabalho “ao abrigo do mercado da arte, o que me permitiu exercê-lo de forma muito experimental”. “Para mim, isso funcionou quase que como uma ilha paradisíaca, e assim pude manter uma certa ‘ecologia’ da minha produção, fazê-la amadurecer em um ritmo lento e construindo uma linguagem de que hoje em dia me tornei bastante íntima”. Filha do cineasta Mário Carneiro (1930-2007) e da figurinista Marilia Carneiro, Beatriz reconhece sua “total liberdade de circulação entre meios, classes sociais, e múltiplas culturas, dentro e fora do Brasil” a esta herança artística e à geração do cinema novo, com que sempre conviveu.
Beatriz Carneiro percorreu abatedouros, onde acompanhou o processo de curtir peles de boi, pesquisa que resultou em instalações, monotipias e fotografias. Em outro trabalho, cozinhou bolos de asfalto, e transformou em objetos bisnagas de pães calcinados.
O curador Marcelo Campos observa no texto que acompanha a exposição que “as obras de Beatriz Carneiro tratam de experimentações poéticas diante da fisicalidade dos objetos”. “Em imagens fotográficas, esculturas e gravuras, a artista ativa o impacto diante de cores, texturas, impressões, evidenciando o corpo e seus fluidos, o sangue, a contrição da matéria, a calcinação. Diante das formas, nos familiarizamos. São pães, bolos, cadeiras, tapetes. O cotidiano. Domesticidades. Porém, os cortes tornam as imagens violentas. São sacrifícios, destruições, estados de alteração da matéria que a arte e a vida controlam, imputam, elaboraram”.
Simbolos falicos nas obras
Mercedes Viegas conta que acompanha o trabalho de Beatriz Carneiro “desde que nos conhecemos em Paris e ela estudava na Suica ”. “Quando voltou a morar no Rio, passamos a ter mais contato”. O que me atrai nela é a maturidade de quem viveu e teve a oportunidade de estudar na Europa, uma experiência que contribui muito para a formacao do artista. Sinto em seu trabalho a poética do pensamento e da criação. Nesta serie que a Beatriz vai mostrar na galeria ha algumas obras que de certa forma se relacionam ao alimento, como os paes e os bolos, que me remetem a símbolos fálicos.
OBRAS NA EXPOSIÇÃO
No chão a galeria estarão os cinco bolos de asfalto, em tamanhos variados. Na parede, a obra “Sem título”, apelidada de “Calendário” – quatro módulos de 1m x 1m, em acrílica sobre papel colado sobre tela, totalizando 2m x 2m, onde está uma seqüência de números em lógica própria da artista.
Em outro canto do chão da galeria estará a instalação com bisnagas de pães calcinados, com medidas variadas.
As monotipias e fotografias serão dispostas nas demais paredes.
Na sala menor, compondo a mesa que mostrará o “universo particular” da artista, estará uma caixa acrílica contendo uma monotipia de 1m x 1,5m, em papel aquarela 300gm, e fotografias pequenas de pele no abatedouro, com tamanhos que variam de 21cm x 14cm, 30cm x 20cm, 13cm x 13cm, e 40cm x 60cm.
Cortes
Beatriz Carneiro
08 maio | 01 junho
As obras de Beatriz Carneiro, selecionadas para a exposição Cortes na galeria Mercedes Viegas, tratam de experimentações poéticas diante da fisicalidade dos objetos. Em imagens fotográficas, esculturas e gravuras, a artista ativa o impacto diante de cores, texturas, impressões, evidenciando o corpo e seus fluidos, o sangue, a contrição da matéria, a calcinação. Diante das formas, nos familiarizamos. São pães, bolos, cadeiras, tapetes. O cotidiano. Domesticidades. Porém, os cortes tornam as imagens violentas. São sacrifícios, destruições, estados de alteração da matéria que a arte e a vida controlam, imputam, elaboraram.
Ao mesmo tempo, vemos tentativas de domesticação do que se aproxima de atitudes não-civilizadas, fatos aos quais poderíamos conferir o status de sublime, selvagem, alteridade, já que lidam com uma natureza em excesso. Mas a arte confere à violência uma porção de aprisionamento. Tal qual a escrita, deixa-se de se estar diretamente ligado à realidade para tornar-se coisa, como nos explica Jack Goody. E a possibilidade de “cumulação” faz da escrita fixada num papel um “tipo de exame crítico”, de distanciamento. Assim, vemos nas imagens vestigiais, frutos de processos mais ou menos dramáticos, uma atitude crítica, uma hospitalidade diante da imediaticidade, a mão estendida. Imagens de intensa dramaticidade precisam ganhar escala na fotografia. E o que observamos são os restos de processo, os vestígios de ações ritualizadas.
Na materialidade, Beatriz Carneiro investe no que geralmente não se domestica. Na série Gateau, a artista se utiliza de piche, cobertura de asfalto para condensar pequenos bolos. Há uma compreensão subversiva em encher a casa, o lar, de elementos que são, nesta esfera, venenos. Sim, estamos lidando com a imagem cool, algo blasé, mas que enche a casa de epílogos da matéria, em outra acepção, de morte. As forças foram condensadas em ações, o fogo foi controlado para que a queima atingisse o ponto certo entre o pão, a argila e o carvão, como na série de pães calcinados.
No trabalho Superfície de pele o que vemos em fotografia é o momento subseqüente, um instante ulterior ao acontecido, ao “está feito”. A ação advêm de um processo ritual, aquele onde estados preliminares, liminares e pós-liminares dotam de sentidos o gesto, o sacrifício, a coleta do sangue. Mas a artista utiliza de certa ironia ao colocar uma poltrona e um copo de whisky diante da superfície de pele encharcada de sangue. Suspende-se, novamente, a imediaticidade, ainda que a arte faça o processo recomeçar. A pele, o suporte, a aconchegante sensação do tapete redimem os pés do cansaço, do crime diário. E o delito, agora, é olhar.
Imagens de violência, dirá Susan Sontag, foram banalizadas. Diante da dor do outro, a fotografia cria um misto de admiração (pela imagem, pela beleza) e revolta. Mas um artista pode lidar com o intolerável que se funda ao ofertar o próprio sofrimento para que o mesmo seja equiparado ao do outro. Isto é intolerável, dirá Sontag. Mas, continua a autora, “mostrar um inferno não significa, está claro, dizer-nos algo sobre como retirar as pessoas do inferno”.
O que faz Beatriz Carneiro diante de tantas complexidades é nos fornecer Cortes, ou seja, seccionar o momento ritual, apresentar peles, sangue, carvão, como lâminas, impressões digitais, final películas. Assim, elaboram-se imagens quase abstratas. Sem dúvida abstraídas de uma narrativa sem início ou fim. E a artista exerce sua parcela de eterna sedução. Um corte é, antes de tudo, a possibilidade de critica, uma preparação para começar a contar uma história, ainda que a completude esteja inevitavelmente perdida.
Marcelo Campos