Antonio Dias | Beatriz Carneiro | Marta Jourdan | | Ricardo Ventura | Tatiana Grinberg | 04. 08. 12 > 01. 09. 12

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Antonio Dias | Beatriz Carneiro | Marta Jourdan | | Ricardo Ventura | Tatiana Grinberg | 04. 08. 12 > 01. 09. 12

No próximo sábado dia 4 de agosto, a galeria Mercedes Viegas Arte Contemporânea abre uma exposição com obras de quatro artistas, de diferentes gerações, que conversam entre si. Antonio Dias, Beatriz Carneiro, Marta Jourdan e Tatiana Grinberg. São formas, conceitos, materiais e pequenas sutilezas que unem estes objetos selecionados pela galerista. De vidro, porcelana, espelho, cerâmica, barro e piche, eles interagem numa pequena sala com elegância e Harmonia.

No próximo sábado, dia 4 de agosto, Ricardo Ventura fará sua exposição individual após quatro anos sem expor na galeria Mercedes Viegas Arte Contemporânea.

Ricardo, exímio escultor com influencias na arquitetura, apresenta alguns trabalhos inéditos, onde utiliza a madeira e o vidro, materiais que vem explorando e descobrindo novas formas e conceitos há mais de dez anos.

Na sala da exposição, Ventura apresenta as seguintes obras: no chão, cinco esculturas de peroba do campo, na forma vertical e vazada, de alturas variadas com diversas ânforas de vidro dando a impressão de vitrine. Nas paredes, cinco trabalhos pequenos de placas de metal azul e placas vidro onde estão reproduzidas imagens de ânforas; um estojo de madeira com três objetos na formas de ferramentas, em madeira e vidro.

Do semi-gasoso ao semi-líquido-semi-sólido, as esculturas, sem base, instáveis, podem parecer volutas barrocas, coruchéus ou minaretes islâmicos sem edificação, e também evocar órgãos de seres vivos (animais, às vezes vegetais) sem corpo, ou ainda a sinuosidade das vibrações sonoras, como prolongamentos de um corpo sutil, e ao mesmo tempo visceral.

Ricardo Ventura: entorpecimento e oferenda.

 Uma ânfora é um recipiente milenar, cuja etimologia se refere a vasos de duas alças utilizados para fins variados. A oferenda, o presente, o transporte, o asseio, a purificação são vontades do corpo ativadas por este continente oval com extensão pontiaguda. No mapa, muitos continentes têm formato de ânforas e cercam a crosta terrestre protegendo-a do desfazimento em mar. Mas qual seria o objetivo humano de conter, cercar, carregar coisas num vaso cuja forma encaixa-se perfeitamente ao colo, ao abraço? Por que não deixar a areia escorrer por entre os dedos, a água caber apenas num punhado, onde as mãos não guardariam os excessos? Pensar em potes, vasilhames, quartinhas é ativar o desejo de guardar, de acumular, de proteger ou aprisionar. Se caminharmos por longas distâncias, perceberemos a necessidade do excedente como provisão, precaução. Se ativarmos os mecanismos capitalistas, o lucro é o que sobrou para ser negociado. Numa terceira margem, ofertamos aos deuses a fartura simbólica. A ânfora, assim, ganha três alças. Mas e quando a troca não acontece de um para um? O que oferecemos, então, é o próprio excesso, uma dádiva. Amo aquele que não guarda para si uma só gota do seu espírito, dirá Nietzsche.

A série inédita de trabalhos apresentados por Ricardo Ventura para a exposição na galeria Mercedes Viegas parte dessa citada imagem pregnante, o vaso em forma de ânfora, e se estende ao cinetismo causado pelo uso de uma infinidade de materiais que estoura o cerceamento dos continentes. Ricardo Ventura expõe seus conteúdos, seja na transparência dos vidros, seja nos cortes sobre a forma plena que desfaz a imagem em metades, em relevos abertos. Utilizando-se de dispositivos óticos, as superfícies tornam-se protagonistas para os objetos e objetivos do artista. Os efeitos de superfície são recorrentes na arte contemporânea. E esta estratégia é uma libertação. De Jeff Koons a Anish Kapoor, o uso do alto brilho, do espelhamento, da transparência refizeram a repetição minimalista. Agora, a superfície ganhara o primeiro plano e não mais aceita a presença maciça da forma, o peso real do objeto, refazendo uma suposta verdade da presença física dos materiais. Cria-se agora a ambiência do torpor. Ainda estamos tratando de fisicalidade? Num mundo afeito a virtualidades, à imagem digital, o que se põe em jogo é, justamente, a presença. Estamos tratando de corpo e máquina, segundo Hal Foster, alheios entre si, mas retomados pela arte desde o futurismo às próteses contemporâneas.

Ao misturar madeira e efeitos óticos, vidros e espelhamentos, a arte de Ricardo Ventura se propõe a discutir tais heranças, desfazendo nós, rangendo engrenagens muitas vezes emperradas por certezas categóricas. O artista tangencia, desta maneira, uma herança brasileira, colonial e modernista, traindo-as. Vemos na riqueza de elementos do trabalho de Ventura a madeira, base barroca dos entalhes, e a geometria, principal interesse moderno. Porém, parte-se, agora, de formas apropriada de demolições ou adquiridas especificamente para as esculturas, caixas, bases. A refração, o espelhamento, a reverberação formam parte desta traição, ativando situações, cujos efeitos são percebidos em superfícies de ânforas em vidros lapidados, caixas cujos vidros espelhados pendem de sustentadores. Assim, são exploradas as imagens e seus intervalos, os objetos e suas sensações de peso, volume, ilusão.

Ricardo Ventura acumulou grande experiência no trato de madeiras, cerâmicas, vidros e metais, trabalhando em seu próprio ateliê e, no início da carreira, auxiliando projetos artísticos e arquitetônicos. Com isso, tal conhecimento fora acrescido de outras estratégias conceituais de entendimento dos objetos, desde as propostas mais utilitárias aos mais ousados desafios de ocupação espacial. Vemos, então, objetos surgirem em diferentes escalas. Ao mesmo tempo, o tratamento dado à madeira, ao metal e ao vidro aproximam o trabalho de Ricardo do interesse cada vez mais recorrente na arte contemporânea dos efeitos ópticos. Muito distante das teorias visuais da gestalt, ancestralidade do design e referência para as leis da arquitetura, agora a arte associa visualidade a recodificações da realidade. Assim, tal interesse pode se relacionar ao caráter sensorial dos rituais, do entorpecimento, das imagens turvas causadas pelo transe, o sonho ou às mais ousadas tecnologias.

Mas tudo isso é ofertado ao espectador como dádiva, ornamentos sem função, troca para criar desproporções. Revendo a forma hierárquica da geometria, o trabalho de Ricardo Ventura aceita e agrega as vibrações do mundo. Usa o laboratório científico, mas o preenche com a emanação da luz, as deformações de vidros, a repetição, o preenchimento, se impondo ao espírito, ainda que tudo o que vejamos ou ouvimos esteja insinuado pela imaginação.

A troca, o presente, obriga, segundo Marcel Mauss, a retribuição. “Devo dá-los de volta, pois são um hau”, explica o antropólogo. Hau é o espírito, o invisível, o encantamento contido nos objetos, como um indivíduo. Ao usar materiais naturais e excedê-los por estratégias de superfície, Ricardo Ventura parece incensado por uma floresta de símbolos e seus objetos tornam-se deflagradores das evaporações, testemunhas de que o precioso está por vir e jamais será aprisionado. As matérias são, antes de tudo, talismãs e, por isso, não são inertes. Usar formas e elementos naturais é, antes de tudo, retirá-las de seu campo de força. E a arte, potencializando as trocas, recompondo outros campos de pujança, é “matéria de transmissão”, como os alimentos, os filhos, os bens. E, sendo assim, “é preciso pagar aos deuses”, aceitando a aliança e a comunhão.

 

Marcelo Campos

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